O Sono no Transtorno Afetivo Bipolar

Dr. Robson Pinheiro Pereira CRP-PR 10347

Tempo de leitura: 11 minutos


Introdução

Não é novidade que uma boa qualidade de sono é importante para a saúde física e mental. Neste sentido, o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) pode ser bastante prejudicial, pois é comum a alteração nos padrões de sono em episódios de mania ou depressão.

Na mania, a necessidade de sono é reduzida. Mesmo que a pessoa durma poucas horas por noite, ela acorda energizada e pronta para iniciar qualquer tarefa. Em alguns casos, o indivíduo pode passar alguns dias sem dormir.

Já na depressão, pode ocorrer o contrário: a hipersonia toma conta. A pessoa precisa dormir muito, raramente acorda disposta, não tem energia para realizar as atividades diárias e, em alguns casos, poderá passar dias sem sair da cama direito.

Ela também pode sofrer com insônia, tendo dificuldades para adormecer e manter o sono, passando muito mais tempo na cama do que deveria.

Mesmo na hipomania, que é uma espécie de mania mais amena, a necessidade de sono é menor. Ainda que a pessoa tente manter uma rotina de dormir exatamente 8 horas por noite, conforme o recomendado por profissionais da saúde, ela acorda muito mais disposta do que acordaria em dias em que seu humor está normal (humor eutímico).

Por mais que pareça bom dormir pouco e acordar bem disposto, isso não necessariamente significa que a pessoa está tendo uma boa qualidade de sono. As alterações frequentes provocadas pelo TAB podem causar prejuízos mais cedo ou mais tarde.


O sono é prejudicado mesmo em remissão

Ainda que a pessoa esteja em período de remissão, ou seja, períodos em que a doença não está ativa e não há sintomas, o sono da pessoa com transtorno bipolar continua sofrendo perturbações.

Pacientes com TAB em remissão frequentemente sofrem com as seguintes perturbações do sono:

  • Demorar para pegar no sono;
  • Sono de duração maior ao habitual;
  • Acordar com frequência no meio da noite ou antes do horário pretendido;
  • Sono pouco eficaz.

Essas perturbações do sono também são comuns mesmo em casos em que não há remissão, mas a pessoa se encontra fora de um episódio de humor, ou seja, em estado eutímico entre episódios.


Perturbações no ritmo circadiano

O ritmo circadiano pode ser definido como o mecanismo de adaptação do organismo aos períodos de luz (dia) e escuridão (noite), totalizando um ciclo em 24 horas. É como se fosse o nosso relógio interno.

Ele regula as funções do corpo para que ele possa tirar o melhor proveito do dia (e da noite). É ele quem regula o sono, a temperatura corporal, entre outras funções, para que seja possível encarar o dia e todos os seus desafios. Se você sente sono todos os dias no mesmo horário, então você sabe, na prática, o que é o ritmo circadiano.

Apesar de parecer algo exato, o ciclo circadiano não é o mesmo em todas as pessoas. Algumas pessoas têm mais disposição durante o dia, enquanto outras têm mais disposição à noite, e o ciclo circadiano é o responsável por isso.

Em pessoas com transtorno bipolar, o ciclo circadiano parece sofrer alterações que envolvem trocas e arritmias (falta de um ritmo conciso). Pesquisas indicam que existe a possibilidade de haver uma relação causal entre o ritmo circadiano alterado e episódios de humor.

Não raramente, pessoas com transtorno bipolar estão mais dispostas para realizar atividades no período da noite, fenômeno chamado de “pessoas noturnas”, em oposição às “pessoas diurnas” que se encontram mais dispostas para realizar atividades durante o dia.

Mesmo quando não há um episódio de humor, essa tendência de fazer as coisas durante a noite se mantém.

O problema é que, em pacientes com transtorno bipolar, estes hábitos noturnos estão relacionados a uma dificuldade de remissão, resposta ruim ao tratamento para depressão, ciclagem (mudança entre episódios de humor) mais rápida e um funcionamento prejudicado em geral.

Estudos realizados em pessoas sem TAB mostram que pessoas noturnas têm maiores chances de sofrer depressão, além de estarem mais propensas a comportamentos suicidas violentos. Os hábitos noturnos são indicadores de uma tendência a comportamentos de risco, especialmente suicidas.

Um outro estudo mais recente mostra que essas descobertas se mantém verdadeiras no caso de pessoas com transtorno bipolar. A presença de um padrão noturno está significativamente associada a ideação e comportamento suicida.

Em comparação às pessoas diurnas, as pessoas noturnas têm uma tendência maior de agir de forma não conformista e independente, além de terem mais chances de manifestar comportamentos violentos direcionados a si mesmas.


Privação de sono como gatilho para episódio

Em um estudo, pacientes com transtorno bipolar passaram uma noite sem dormir e, na noite seguinte, puderam dormir a noite inteira ou receberam medicação para regular o humor. Cerca de 4,85% desses pacientes desenvolveram sintomas de um episódio de mania logo em seguida, enquanto 5,83% tiveram sintomas de hipomania.

Isso indica que a privação do sono tenha alguma influência na manifestação de um episódio de humor, podendo ser uma espécie de gatilho para uma recaída.

De fato, mesmo utilizando a medicação e seguindo a terapia corretamente, pacientes com TAB têm chances relativamente altas de uma recaída em um tempo de 5 anos após o último episódio de humor.

Suspeita-se que o sono tenha alguma influência neste processo, uma vez que um ciclo circadiano desregulado está fortemente associado ao transtorno bipolar.


Problemas para dormir podem “prever” o transtorno bipolar

Existem evidências de que problemas para dormir podem indicar o desenvolvimento de transtorno afetivo bipolar em pessoas que são mais suscetíveis.

Filhos de pais com TAB, por exemplo, podem ter perturbações de sono cerca de 1 ano antes do transtorno se manifestar no indivíduo. Desta forma, quando combinados com outros fatores de risco, os problemas para dormir poderiam “prever” o desenvolvimento do transtorno.

Certos problemas para dormir também podem, algumas vezes, prever a vinda de um episódio, podendo indicar até mesmo o tipo de episódio que irá ocorrer.

Uma menor necessidade de dormir pode antecipar um episódio de mania, enquanto insônia pode antecipar tanto episódios de mania quanto de depressão. Já a hipersonia (dormir mais do que o normal) costuma antecipar episódio depressivos.

Como dito anteriormente, o sono é afetado mesmo nos períodos entre episódios. No entanto, logo antes de um episódio, as perturbações do sono se tornam mais intensas e são ainda piores enquanto dura o episódio.

Por conta da forte associação dessas alterações no sono com o início de episódios, é possível que haja uma relação causal entre essas duas variáveis, especialmente por conta da forte relação que o TAB tem com um ritmo circadiano desregulado. No entanto, mais estudos são necessários para provar e explicar essa relação.


Ideação suicida

A ideação suicida é um sintoma frequente em episódios depressivos, mas pode estar presente também em períodos entre episódios ou em períodos de remissão. Estudos mostram que o sono tem um grande papel na ideação suicida, mesmo quando não há um episódio de humor.

Existe uma associação significativa entre ideação/comportamento suicida e acordar no meio da noite ou antes do esperado, ter sonhos ruins ou pesadelos e sentir dores durante a noite. Além disso, histórico de tentativas de suicídio e a quantidade de tentativas estão relacionadas a uma maior frequência de sonhos ruins/pesadelos.

Pesquisas revelam que, em pacientes com TAB, há uma relação entre ideação suicida, ritmo circadiano (pessoas noturnas vs. pessoas diurnas), qualidade do sono e sonolência durante o dia.

Da mesma maneira, pensamentos suicidas estão relacionados a dificuldades para dormir e sensação de cansaço durante o dia, mas ainda não se pode dizer que um causa o outro e vice-versa.


Observações finais

Como foi possível ver, o sono sofre muitas alterações em pessoas que convivem com o transtorno bipolar. Além disso, alterações no sono podem servir de ajuda para identificar a vinda de episódios de humor, mesmo que elas ocorram meses antes do início do episódio.

Sabendo da influência do sono no transtorno bipolar, tratamentos focados em auxiliar na regulação do ciclo circadiano (e consequentemente nos padrões de sono) podem ajudar na melhora dos sintomas do transtorno afetivo bipolar, bem como prevenir recaídas.

Neste sentido, o tratamento farmacológico e a psicoterapia podem trabalhar juntos para melhorar os hábitos de sono do paciente com transtorno bipolar.

Além disso, outras terapias relacionadas ao sono podem ser aplicadas a fim de melhorar os sintomas dos episódios de humor, como terapias de luz ou até mesmo utilizar a privação de sono pelo seu efeito terapêutico em episódio depressivos.

Se você sabe ou suspeita que sofre de transtorno bipolar e se identificou com algumas coisas no texto, não se esqueça de entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra de confiança!


Referências

Fekih-Romdhane, F.; Jendoubi, J.; Saguem, B.N.; Ridha, R. & Cheour M. (2019). The link between sleep disturbances and suicidal thoughts and behaviors in remitted bipolar I patients. Journal of Clinical Psychology.

Harvey, A. G. (2008). Sleep and circadian rhythms in bipolar disorder: seeking synchrony, harmony, and regulation. Am J Psychiatry, 165(7): 820-9.

Murray, G.; Harvey, A. (2010). Circadian rhythms and sleep in bipolar disorder. Bipolar Disord, 12: 459–472.

Pancheri et al. (2019). A systematic review on sleep alterations anticipating the onset of bipolar disorder. European Psychiatry, 58: 45-53.


Este artigo não substitui em nenhuma hipótese a ORIENTAÇÃO MÉDICA.

Publicado originalmente em 15-07-2019 em “http://institutodepsiquiatriapr.com.br/”


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